21 de junho de 2015
Terapia de Casal
O telefone toca e do outro lado da linha uma voz suave atende. Ela combina com o olhar pacífico e o sorriso conciliador da fotografia, que dão uma feição até juvenil aos cabelos totalmente brancos.
Aquele que ligou faz uma pergunta tão inusitada que chega a estranhar suas palavras. Nem nos sonhos em que entrevista as maiores celebridades imaginaria esta introdução. Não era como se estivesse falando com Michelle Bachelet, com Paulo Coelho ou tampouco com Barack Obama. Era algo além. Por instantes, era como se estivesse conversando com o passado.
— É o dr. Freud que fala?
— Sim, no que posso ajudá-lo?
Este diálogo não ocorreu na florida Viena dos anos 10, 20 e 30. Nem era o lendário compositor Mahler, naqueles fones antigos sobre castiçal, à procura do famoso médico. A conversa foi no último dia 11 de junho e o Freud entrevistado, também psicanalista, era o neto do primo do Pai da Psicanálise, Sigmund Schlomo Freud (1856-1939).
Quanta família, não? Mas, segundo o próprio analista, concordando com seu primo de terceiro grau, as dores e as belezas de ser humano começam mesmo nas relações familiares. Ou na falta delas.
Joseph Knobel Freud, americano radicado em Barcelona, Espanha, se tornou um famoso psicanalista europeu, especializado no tratamento de crianças e, entre outros títulos, é fundador da Escola de Clínica Psicanalítica com Crianças e Adolescentes de Barcelona.
Inspirado no célebre parente da Áustria, percebeu cedo o fascínio do inconsciente, uma espécie de escritor da história individual de cada um. Ele considera a investigação dos seus enigmas a chave para a evolução humana, criticando a pressão de laboratórios pela venda de medicamentos e a redução da maioridade penal nos países, conforme conta em entrevista exclusiva. Ao R7, Freud explica.
R7: Qual a contribuição que Sigmund Freud trouxe para a humanidade?
Joseph Freud: Ele foi muito importante para a sua época (fim do século 19 e início do 20), e continua sendo, pois, com a descoberta do inconsciente, mostrou que nenhum homem é dono de seus próprios atos. Há um outro que nos governa, a todos, que é o inconsciente. Trata-se de uma revelação fantástica.
R7: Como Freud influenciou na sua escolha profissional?
Freud: Nasci nos Estados Unidos e me mudei para a Espanha. Desde cedo me encantei por esta ideia do inconsciente. Influenciou-me a noção de que para eu ser um bom profissional teria de entender o inconsciente dos pacientes. Isso é descobrir, junto com eles, que há um funcionamento incrível da mente, é viajar pelo interior do ser humano e aprender coisas interessantíssimas. É algo que sempre me fascinou.
R7: Qual o seu parentesco com Sigmund Freud?
Freud: Meu avô, Samuel Freud, era primo direto de Sigmund. Meu avô saiu da Europa antes das guerras, em 1914, e foi para a Argentina. Por isso sobreviveu aos conflitos, algo que não aconteceu com boa parte da família de Sigmund, que era judia. Ele perdeu suas irmãs, enviadas a campos de concentração, na Segunda Guerra.
R7: A contribuição de Freud está sendo bem aproveitada neste momento?
Freud: Estamos em um momento complicado em uma sociedade imediatista, num mundo baseado na velocidade dos acontecimentos. Na época de Freud havia tempo para se escrever cartas, esperar entregas. Não havia whatsApp, tablet, smartphone, internet por fibra ótica. Era outra a relação com o tempo. Não que não houvesse problemas. Mas as soluções não precisavam ser tão imediatas. Nem as respostas. Hoje, chegam pacientes para serem atendidos e logo querem ver seus casos resolvidos. É preciso ter mais paciência.
R7: E como a psicanálise poderia atuar para não ser engolida por essa pressa moderna?
Freud: Nós psicanalistas (e profissionais da área) temos de chegar aos centros hospitalares e transmitir essa ideia aos pacientes, mostrar que esse tipo de trabalho é um método eficiente. É preciso que as pessoas entendam que há outra maneira de se resolver problemas que não passa pela pressa imediata. Temos de voltar um pouco no tempo, neste sentido. Esta rapidez não vai levar a lugar nenhum.
R7: Podemos dizer que atualmente vivemos uma epidemia de transtornos mentais no mundo?
Freud: Prefiro não usar este termo epidemia, porque se associa ao interesse de laboratórios. Nesse caso, a epidemia está cada vez mais com os laboratórios. Mas de uma maneira geral vivemos uma época de competitividade ao extremo. Carros velocíssimos pelas estradas, o desejo de ter muitos carros. Exageradas viagens de helicóptero. As crianças querem tomar o sorvete maior, as pessoas querem ter os eletrodomésticos com maior capacidade, os computadores evoluem em dias. As coisas caducam rápido, nem dá para aproveitar direito.
R7: O que o senhor acha do aumento da quantidade de doenças mentais classificadas pelos laboratórios?
Freud: A indústria farmacêutica é a segunda mais potente do mundo, depois da de armas. Vai investir para que a gente necessite cada vez mais de medicamentos. Surgem nomenclaturas para isso. O TDA (Transtorno do Déficit de Atenção), por exemplo, é uma definição desnecessária, de casos que, na maioria das vezes, podem ser tratados com conversa e compreensão das questões relativas à infância.
R7: Até que ponto o medicamento é importante em um tratamento?
Freud: Dar o medicamento é bom para o laboratório, mas não permite entender o porquê de a criança estar querendo chamar a atenção. Isso inverte a lógica do bom tratamento. Cada vez se usa mais medicamentos e menos pensamento. A psicanálise é o contrário disso. A conversa e a compreensão são essenciais para um processo de cura. Não acho que o remédio seja descartável sempre: há casos em que é preciso receitar antidepressivos ou antipsicóticos, por exemplo. Mas sempre com critério e com acompanhamento psicoterapêutico.
R7: O que o senhor acha da redução da maioridade penal, assunto que tem sido debatido pelo Congresso Nacional brasileiro?
Freud: Creio que é responsabilidade da sociedade o fato de uma criança cometer crime. Se ela se tornou criminosa e entrou para a delinquência é porque algo da educação que ela teve a tornou assim. Pessoas não são plantas, que têm reações similares. Há fatores que influenciam no sentimento, há a participação da família nisso. Uma criança passa a agir assim porque não pode estar com seus pais, porque eles eram mal pagos, não lhes davam atenção, entraram para o álcool, agiram com violência contra ela. Não se pode colocar a culpa nela em lugar de responsabilizar a família e a sociedade que não se ocupa devidamente com as crianças.
Fonte: R7 / Eugenio Goussinsky
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